domingo, 4 de maio de 2014

Cada novo amor é uma descoberta
De si.
O outro nos multiplica.

Assombro, amenizo, rasgo e recomponho.
Componho.
A sanha, o verbo, a posse, o sexo.
Assanho.

Cada novo amor desdobra:
Em mim, o mundo:
Mulheres e homens:
Homo-trans-bi-:
Sexuais.

Cada novo amor, tensão.
Que o amor, roupa velha e herdada de minhas irmãs,
É corte que nem cabe.
Sobra, falta.
Sobro, falto.

O amor, todo novo amor,
Mulher,
É uma prova: desconstruir e afirmar-se.
Reconstruir e ser.

Amor.

domingo, 6 de novembro de 2011



Uma acorda embrulhada em alvos mantos de algodão
A Outra, horas antes, despertou seu recanto periférico com água rala de café.

A Outra tomou condução.
A Uma caminhou passos ritmados, cultivando esbelta silhueta e o coração forte; 
o caminho da roça tomou automóvel.

Encontraram-se bem ali, onde a Outra vendia ambulante seu sururu e a Uma planejava a festiva e ritual comunhão de domingo.

- Bom dia, disse a polida senhora
Polidas maneira e
face, dourada de sol e ornada de pó de ouro
- Dia, respondeu a senhora Outra
Cara ruge, de quentura

-Sururu fresquinho?
-Quanto tá o quilo?
-Dezoito.
-Dois, por gentileza.

Selaram o encontro, na troca.

A madame pensa consigo, dezoito reais, que exploração.
A explorada, no entanto, acordara com o sol, atravessara a cidade, à lagoa, voltara à rota da Uma, onde estacionou seu isopor de mariscos e aguardou disposta a exaustão das muitas horas de trabalho. Das horas-de-trabalho, que se confundem à exaustão com as horas.
Só que a explorada, dormente, nem percebe.
E a madame, dormente, nem percebe.

Não se percebe.

Uma e Outra são a mesma
Filhas gestadas no mesmo ventre débil d'alagoana família
Trágica mesmice, intrínseca desigualdade
Pólos dUm'NO vício
Que as veste do que
E as esquece de quem
São,

Mas não se percebe.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sob a branca tez
Sob o manto cutâneo
Sob a clara organza
Um emaranhado de arabescos sanguíneos
Um corpo inteiro bordado

Tu, menina,
Tu e teus traços rendados
Em margens lacustres
Por mãos lacustres
mãe lacustre
Tu e esses teus fios incrustados

Dizem ser sangue contido, o motivo da arte
Hemo-limites
Digo que não
Digo que é o mar, a lagoa,
Escapado
Que te tomou o corpo, para ganhar mundo

domingo, 16 de outubro de 2011

"Música Urbana"

Até cai leve a chuva de domingo,
mas escorre enxurrada.

As plácidas caras de quem vem lá,
acompanham-se de estrondosos roncos automotivos.

Os passos rápidos,
contribuem inconscientes percussões.

A cidade não sussurra.

A cidade não geme.

Dor ou prazer, a cidade grita.

- Constrangida, miro as silentes árvores deslocadas. O chão é seu, mas nunca lhes pareceu tão alheio. É dos ladrilhos que reverberam Urbanidade.
Suave,
percorre meu corpo. Campo minado,
cuja geografia conhece,
cuja explosão planeja.
Explosão co-ciente.

Nas pontas dos pés.
Dedos, aliás.
Intruso subterrâneo, subcutâneo,
Estranho familiar.

Criminoso a quem deixo a porta aberta.
Invasão consentida.
Mulher. Guerrilha. Não mais.
O amor que tive,
todo ele,
me entranhou,
primeiro sempre,
olhar adentro.

O olhar do amor,
do todo amor que tive,
fotografou-se
diante de mim,
e deixou-se em registro.

A fronte do amor,
percebo agora,
sempre altiva,
mirou-me sempre
em desafio.

A memória dos que foram,
A chegada de quem é,
lembro como maneira, como fitam e me revelam.
Desvelou-se que amo, quem me desvela.

sábado, 15 de outubro de 2011

Vive como quem vive em impasse.
E a vida escorre, não sem dor,
porque escorre em tempo, mas permanece em questão.

Peço que alivie, que sossegue,
mas parece não esquecer nunca que não lembra a que veio.

Parece não lembrar que lembra
que a vida é sempre percorrer.

Mas que o passo é custoso. É.
Mas que pesa o corpo. Pesa.

Resta o que inspira.
A leveza concreta das vontades convictas.